21 de abr. de 2012

Direito Constitucional I - Eficá e Aplicabilidade das Normas Constitucionais (Vitor Condorelle).

aplicabilidade


O material que segue abaixo é de autoria do Professor Vitor Condorelle, disponível no acadêmico, que aqui venho somente transcreve-lo.

Conteúdo programático: EFICÁCIA E APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS. 1. A Classificação Bipartida Norte-Americana de Thomas Cooley. 2. A Classificação Tripartida Brasileira de Pontes de Miranda. 3. A Classificação Tripartida Italiana de Gaetano Azzaritti. 4. A Classificação Tripartida Clássica de José Afonso da Silva. 5. Outras Classificações. 5.1. A Classificação de Maria Helena Diniz. 5.2. A Classificação de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto. 5.3. A Classificação de Uadi Lammêgo Bulos. 5.4. A Classificação de Luís Roberto Barroso.

1. A CLASSIFICAÇÃO BIPARTIDA NORTE-AMERICANA DE THOMAS COOLEY.
Surgida em 1927 e difundida entre nós por Ruy Barbosa[1], propõe-se a classificar as normas constitucionais em:
a) Normas auto-aplicáveis ou auto-executáveis (self-executing provisions, self-enforcing ou self-acting) – São as normas constitucionais de aplicabilidade imediata, pois independem de qualquer complementação por legislação infraconstitucional;
b) Normas não auto-aplicáveis ou não auto-executáveis (not self-executing provisions, not self-enforcing ou not self-enforcing) – Aquelas que somente indicam princípios, sem que estabeleçam normas que lhes dêem eficácia, vale dizer, são as dependentes de legislação infraconstitucional posterior para ser exeqüíveis[2].

2. A CLASSIFICAÇÃO TRIPARTIDA BRASILEIRA DE PONTES DE MIRANDA.
Influenciado pela teoria norte-americana, Pontes de Miranda sistematizou, em 1946[3], a compreensão das regras jurídicas em três categorias: regras jurídicas bastantes em si, regras jurídicas não-bastantes em si e regras jurídicas programáticas.
a) Regras jurídicas bastantes em si são aquelas que se bastam, por si mesmas, para a sua incidência;
b) Regras jurídicas não-bastantes em si são aquelas que precisam de regulamentação, porque "sem a criação de novas regras jurídicas, que as completem ou suplementem, não poderiam incidir e, pois, ser aplicadas";
c) Regras jurídicas programáticas são aquelas nas quais "o legislador, constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos. A legislação, a execução e a própria justiça ficam sujeitas a esses ditames, que são como programas dados à função legislativa".

3. A CLASSIFICAÇÃO TRIPARTIDA ITALIANA DE GAETANO AZZARITTI.
Em 1948[4], o célebre autor italiano dividiu as normas constitucionais em:
a) Normas diretivas. Correspondem às normas programáticas, isto é, destituídas de eficácia jurídica[5];
b) Normas preceptivas de aplicação direta e imediata. Capazes de produzir, com sua simples edição, todos os seus efeitos jurídicos;
c) Normas preceptivas de aplicação direta, mas não imediata. Embora, possam produzir todos os seus efeitos jurídicos quando editadas, admitem regulamentação legal posterior por parte do Poder Público como forma de restringir seu alcance.

4. A CLASSIFICAÇÃO TRIPARTIDA CLÁSSICA DE JOSÉ AFONSO DA SILVA.
Em 1968, considerando que não há norma constitucional destituída de eficácia, o eminente Professor José Afonso da Silva[6] as divide em três grupos: normas de eficácia plena, normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada.

As normas de eficácia plena (auto-executáveis ou auto-aplicáveis)[7] são aquelas que já produzem os seus plenos efeitos com a entrada em vigor da Constituição, independentemente de qualquer regulamentação por lei. São, por isso, dotadas de aplicabilidade imediata (porque estão aptas para produzir efeitos imediatamente, com a simples promulgação da Constituição), direta (porque não dependem de nenhuma norma regulamentadora para a produção de efeitos) e integral (porque já produzem seus integrais efeitos, sem sofrer quaisquer limitações ou restrições).

As normas de eficácia contida[8] são aquelas que também estão aptas para a produção de seus plenos efeitos com a promulgação da Constituição (aplicabilidade imediata), mas que podem ser restringidas. O direito nelas previsto é imediatamente exercitável, com a simples promulgação da Constituição, mas esse exercício poderá ser restringido no futuro. São, por isso, dotadas de aplicabilidade imediata (porque estão aptas para produzir efeitos imediatamente, com a simples promulgação da Constituição), direta (porque não dependem de nenhuma norma regulamentadora para a produção de efeitos), mas não-integral (porque sujeitas à imposição de restrições).

As restrições às normas de eficácia contida poderão ser impostas:
a) por lei (ex.: art. 5º, XIII, da CF/88, que prevê as restrições ao exercício de trabalho, ofício ou profissão, que poderão ser impostas pela lei que estabelecer as qualificações profissionais);

b) por outras normas constitucionais (ex.: art. 139 da CF/88, que impõe restrições ao exercício de certos direitos fundamentais, durante o período de estado de sítio);

c) por conceitos ético-jurídicos geralmente aceitos (ex.: art. 5º, XXV, da CF/88, em que o conceito de “iminente perigo público” atua como uma restrição imposta ao poder do Estado de requisitar propriedade particular).

As normas de eficácia limitada[9] são aquelas que só produzem seus plenos efeitos depois da exigida regulamentação. Elas asseguram determinado direito, mas esse direito não poderá ser exercido enquanto não for regulamentado pelo legislador ordinário. enquanto não expedida a regulamentação, o exercício do direito permanece impedido. São, por isso, dotadas de aplicabilidade mediata (só produzirão seus efeitos essenciais ulteriormente, depois da regulamentação por lei), indireta (não asseguram, diretamente, o exercício do direito, dependendo de norma regulamentadora para tal) e reduzida (com a promulgação da Constituição, sua eficácia é meramente “negativa”).

Com efeito, as normas de eficácia limitada foram divididas pelo Professor José Afonso da Silva em dois grupos: as definidoras de princípios institutivos (organizativos ou orgânicos) e as definidoras de princípios programáticos.

As normas de eficácia limitada definidoras de princípios institutivos (organizativos ou orgânicos) são aquelas pelas quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos ou entidades, para que o legislador ordinário os estruture posteriormente, mediante lei. São aquelas que se propõem a criar organismos ou entidades ou, ainda, definir suas competências. São exemplos: “a lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos territórios” (art. 33); “a lei disporá sobre a criação, estruturação e atribuições dos ministérios” (art. 88); “a lei regulará a organização e o funcionamento do conselho de defesa nacional” (art. 91, §2º); “a lei disporá sobre a constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício dos órgãos da justiça do trabalho” (art. 113).

As normas de eficácia limitada definidoras de princípios programáticos são aquelas pelas quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a lhes traçar os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. Esse grupo de normas corresponde ao que a doutrina denomina, simplesmente, “normas programáticas”, como são exemplos o art. 7º, XX; o art. 7º, XXVII; o art. 173, §4º; o art. 216, §3º.
§ Obs.:
De fato, como regra, a Constituição federal estabelece que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º). Porém, afirmar que uma norma constitucional é dotada de aplicabilidade imediata não significa dizer que ela dispensa a atuação positiva por parte dos poderes públicos. Significa dizer, apenas, que o direito nela previsto poderá ser exigido pelo seu destinatário de imediato, sem necessidade de regulamentação por lei.

Vejamos um exemplo: o inciso LXXIV do art. 5º estabelece que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Trata-se, conforme já decidiu o STF, de norma de aplicabilidade imediata (eficácia plena), isto é, o indivíduo pôde, com a simples promulgação da CF/88, pleitear essa assistência gratuita, sem necessidade de aguardar qualquer regulamentação por lei. Por outro lado, é norma que exige uma prestação positiva por parte do poder público, que deverá, por meio das defensorias públicas (CF, art. 134), concretizar essa determinação constitucional.
5. OUTRAS CLASSIFICAÇÕES.
5.1. A CLASSIFICAÇÃO DE MARIA HELENA DINIZ.

Conforme a renomada autora[10], as normas constitucionais, segundo sua eficácia, dividem-se em:
a) Normas com eficácia absoluta (ou supereficazes). São consideradas imutáveis, não podendo ser emendadas, enfim, os princípios constitucionais sensíveis[11] e as chamadas cláusulas pétreas[12].
b) Normas com eficácia plena[13].
c) Normas com eficácia relativa restringível[14].
d) Normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação legislativa[15]. Encontram-se dividas em:
§ Normas de princípio institutivo;
§ Normas programáticas.

5.2. A CLASSIFICAÇÃO DE CELSO RIBEIRO BASTOS E CARLOS AYRES BRITTO.
Em sua obra, Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais[16], os autores classificam as normas constitucionais em:
a) Normas de aplicação:
§ Regulamentáveis. São aquelas que, embora não necessitem de regulamentação legal posterior à sua vigência para a produção de seus efeitos, permitem-na apenas para auxiliar a sua melhor aplicação. Ex.: as normas que prescrevem as ações constitucionais (habeas corpus, habeas data, mandado de segurança...);
§ Irregulamentáveis. São aquelas cuja normatividade se esgota na própria Constituição e cuja matéria somente poderá ser tratada a nível constitucional. Ex.: art. 2°.
b) Normas de integração:
§ Restringíveis[17].
§ Completáveis[18].

5.3. A CLASSIFICAÇÃO DE UADI LAMMÊGO BULOS.

O autor inova[19] ao instituir as normas de eficácia exaurida (ou esvaída), isto é, aquelas que já extinguiram a produção de seus efeitos, tendo, portanto, sua aplicabilidade esgotada. São próprias do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) – ex.: arts. 11, 13, 14 e 15.

5.4. A CLASSIFICAÇÃO DE LUÍS ROBERTO BARROSO.

Modernamente, quanto ao conteúdo das normas constitucionais, encontramos:
a) Normas definidoras de organização. Disciplinam o funcionamento do próprio Estado, a competência das entidades federativas, o mandato do Presidente ou, ainda, o disposto nos arts. 1°, 2° e 18 da CF;
b) Normas definidoras de direitos. Cuidam dos direitos fundamentais, a exemplo dos arts. 5°, 12 e 14 da CF;
c) Normas programáticas. São as que tratam das finalidades sociais do Estado, sem um grau de detalhamento suficiente para a produção do todos os seus efeitos. Ex.: saúde, lazer, moradia, alimentação, educação...

[1] COLLEY, Thomas. Treatise on the Constitutional Limitations. 6. ed., p. 93, traduzida por Ruy Barbosa em Comentários à Constituição Federal brasileira. Tomo II. Saraiva: São Paulo, 1933.
[2] Relacionam-se com os direitos fundamentais de 2ª geração (ou 2ª dimensão).
[3] MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição Brasileira de 1946. 4. ed. rev. aum. Forense: Rio de Janeiro, 1993.
[4] AZZARITTI, Gaetano. La nuova Constituzione e Le Leggi Anteriori. 1948, p. 81.
[5] Classificação criticada por Crisafulli que, descrevendo as normas constitucionais, conclui que toda norma constitucional tem eficácia jurídica, ou seja, eficácia obrigatória (CRISAFULLI, Vezio. La Constituzione e Le sua Disposizioni di Principio. 1952, p. 54).
[6] Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 262.
[7] Conceituadas pela doutrina clássica norte-americana como self-executing provisions, self-enforcing ou self-acting.
[8] Michel Temer as define como normas constitucionais de aplicabilidade plena e eficácia redutível ou restringível (Elementos de direito constitucional, p. 24).
[9] Também conceituada por alguns autores como norma de aplicabilidade diferida.
[10] Norma constitucional e seus efeitos, p. 101-115.
[11] Art. 34, VII, a a e da CF/88.
[12] Art. 60, §4º, I a IV da CF/88.
[13] Equivalentes às normas de eficácia plena.
[14] Equivalentes às normas de eficácia contida.
[15] Equivalentes às normas de eficácia limitada.
[16] p. 48 e ss.
[17] Equivalentes às normas de eficácia contida.
[18] Equivalentes às normas de eficácia limitada.
[19] Constituição Federal anotada, p. 335.

Nenhum comentário:

Postar um comentário